quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Que horas são?


Detesto o tempo. Um. Dois. Três. Está a contar. Porque o tempo flui, interminável, incontrolável, informe. Oito. Nove. Às vezes, já passa da meia-noite, e vem-me gritar ao ouvido que sinto saudade. E com os braços intermináveis da distância e as mãos fortes da memória, comprime-me a alma. Dezassete. Tanto, que até julgo que a sinto: à alma e à saudade. Detesto o tempo, porque desgasta os sentimentos, porque os usa e os banaliza e os desvaloriza e os esfrega na superfície dura da razão. Trinta e um. Trinta e dois. Detesto o tempo porque é prepotente, arrogante e injusto. Porque brinca com as horas e as encolhe nos momentos que quero eternizar. Trinta e três. Detesto o tempo porque me fez crescer e me apontou, cedo demais, com o dedo duro um caminho que tive de seguir. Porque com as mãos experientes me colocou aos ombros o peso da responsabilidade e soprou devagarinho, com o hálito da maturidade, até fazer cair o véu da inocência. Cinquenta e oito. E mostrou-me o mundo feio onde o Pai Natal não existe e o papá e a mamã não são imortais como os super-heróis. Detesto o tempo porque é irreversível. Nove. Dez. Porque roubou para sempre o brilho dos olhos castanhos (não são só os azuis que brilham!) à minha avó. Porque os cobriu com uma tristeza baça e salgada. Vinte e um. Porque a confunde e a faz dizer os nomes das filhas, das netas (e dos netos nos dias piores, coitada, está velha, diz a minha tia) antes de acertar no meu. Detesto o tempo porque traz sempre consigo a rotina. Quarenta e dois. Quarenta e três. Porque me acorda aos berros no despertador e me dita as horas das refeições quando nem sequer tenho fome. Cinquenta e cinco. Detesto o tempo porque impõe prazos e datas que não quero cumprir. Porque passa e não pára e deixa sempre na boca o eterno sabor amargo de que algo não foi feito a tempo. Detesto o tempo porque é infinito e escasso. Trinta e três. Trinta e dois. Trinta e um. Porque escorre continuamente, de batuta na mão, a comandar a orquestra e marca o ritmo monótono dos segundos, segundo o qual nos guiamos inconscientemente. Vinte. Dezanove. Dezoito. Detesto o tempo porque é exíguo e sufocante e me controla e me prende aos ponteiros do relógio que pus no pulso. Dez. Nove. Detesto o tempo como detesto a vida. Cinco. Quatro. Chegou a hora. Não tenho tempo a perder. E perco-me no tempo. Zero.


A.H.

3 comentários:

Bézinha* disse...

Fantástico.Escrito por ti,que mais seria de esperar.

Caso para dizer: Carailho do tempo.Condiciona.Destroi.Irrita.
Mas mais forte q o tempo é a vontade.


"Neste quarto o TEMPO é medo, e medo faz-nos sós"*

Anónimo disse...

Colei no teu texto ... li à minha irmã, li à minha mãe ...

"Detesto o tempo" , detesto mesmo =/

E detesto o tempo que me tira tempo para estar contigo! E adoro o tempo que me dá tempo para matar saudades tuas, trocar histórias e sorrisos ... e sentir-me de novo cheia de energia, como acontece sempre que o tempo é passado contigo!

Adoro-te

Catarina disse...

"Porque roubou para sempre o brilho dos olhos castanhos (não são só os azuis que brilham!) à minha avó."

Sintonia?

*