Eu vivo em S. Martinho de Campo. E não tenho problemas com isso. É uma vila simpática, junto a Valongo. Há camionetas e autocarros de meia em meia hora rumo à civilização. Há idosas simpáticas que te abordam no caminho e te perguntam “tu a quem pertences?” e sabendo ou não o teu nome, chamam-te sempre rola ou pomba.
Eu até gosto de viver em Campo, excepto na última semana de Maio.
“Coração fiel, louco enamorado para toda a vida. Coração fiel, sempre apaixonado em cada batida”. É ao som de Mickael Carreira que faço o centésimo post do racionalidadeemocional (que honra!)
Pois é, a festa de S. Martinho de Campo começou. E os senhores simpáticos da organização fizeram o favor de colocar dois altifalantes junto a minha casa (um em cada extremo) com o som regulado para os velhos surdos da zona. A partir das 14 horas começa a festança ao som de Tony Carreira, Mickael Carreira e de tantos outros que cantam amores para a vida, desgostos de amores para a vida, traições que marcam uma vida. Certo é que as músicas têm de ter obrigatoriamente as palavras “coração”, “vida”, “amor”, “paixão”. Há ainda o emigrante que diz que tem o coração em Portugal e na França; e o garanhão que canta todo contente que hoje vai sair com duas mulheres, que vai prá cama com as duas, “cada uma no seu colchão”. Tudo isto com a batida pimba por trás. Tem o seu encanto.
Por volta das 21h começa a missa. É bom para acompanhar o jantar e o fim do telejornal. Fantástico como a comida tem outro sabor ao som de um bom pai nosso, no ritmo certo, no timbre certo, e “livrai-nos do mal” e nós a enfardar, amén. Segue-se o terço. Já é noite e ecoa por toda a vila a voz irritante do padre a rezar 10 ave marias seguidas. Ouve-se o padre, ouvem-se os fiéis que repetem as ave marias do padre. Pode ser que assim a nossa senhora os ouça melhor. Os altifalantes dão uma ajuda, com certeza. Depois ouvem-se os cantos naquele tom agudo que fura os tímpanos. E eu só queria estar descansada a ver televisão.
No fim-de-semana é que começa a verdadeira festa! Há churros, farturas, comércio artesanal e carrosséis velhos. No domingo de manhã ninguém pode sair de casa. Há que deixar passar a procissão. No fim, ficam as ruas sujas de flores a apodrecer. É o último dia da música pimba e das dez ave marias (são 70 ao todo!). É o fim da festa. Mas para o ano há mais. Graças a deus.
A.H.